Era setembro de 2018, começo do que a gente chama de verão e a minha relação com o hip-hop acontecia apenas no âmbito musical. Naquele ano eu vi pela primeira vez, meus amigos grafitando e foi com eles que aprendi que, como parte do hip-hop, o graffiti é compromisso.

Fascinado por aquela forma de comunicação, eu decidi que dali em diante eu iria aprender mais sobre essa arte e tentaria rabiscar algo meu. No dia seguinte eu já comecei a pensar em uma tag (como você é chamado no graffiti) e desde sempre eu soube que usaria a tag “Bisteca”, porque é uma comida que eu gosto e é meu apelido em um jogo. E então foram algumas semanas de pesquisa e conversa com amigos próximos, pedindo dicas e desenhando com as minhas habilidades limitadas o que eu queria como persona (ou personagem próprio, como é chamado no meio).

Eu, como a própria indecisão em pessoa, tentei outras personas até que depois de algum tempo – e uns amigos insistirem muito – eu fui desenhando a Bisteca. O primeiro graffiti aconteceu em um evento chamado “Arte no Beco”, o projeto tem como um dos objetivos transformar becos e ruelas de bairros periféricos, deixando-os mais coloridos e com vida. E desde então venho buscando evolução, seja com a ajuda de amigos, que dão dicas, ou com pesquisas constantes que eu sempre realizo quando penso em fazer algo novo.

Praticar essa arte tem diversos desafios: tentar ser menos planejado pois diversas vezes não terei controle sobre o clima ou a superfície (coisa que enquanto Social Media eu tenho dificuldade, pois sou bem planejado. Kela!). Sempre tentar fazer mais sem precisar gastar tanto com tinta e, sem dúvidas, o maior de todos, é lutar todos os dias para combater o estigma e a marginalização que nossa sociedade impõe ao graffiti, que hoje é uma forma de expressão incluída no âmbito das artes visuais.

Todos os dias a gente segue evoluindo e aprendendo cada vez mais, inclusive com situações engraçadas. Como numa determinada vez que eu estava limpando o muro pra poder pintar e de repente o muro começa a se desfazer inteiro, caindo pedaços e deixando um buracão. Ri bastante de nervoso, mas no fim, deu tudo certo.

Ter me tornado artista urbano influencia bastante no meu dia a dia. Primeiro, pude perceber que me ajudou a ser mais criativo no trabalho, além de me abrir os olhos para as diferentes realidades e isso contribuiu muito para o meu crescimento como pessoa. Mas sem dúvidas, a maior contribuição do graffiti para a minha vida se deu na concepção de um projeto chamado “Akela Crew”, amigos que se uniram não só pelo graffiti mas pela causa LGBTI+, indígena, negra e periférica. Nele nosso principal objetivo é disseminar a arte urbana como ferramenta de comunicação e, principalmente, de militância. Crescendo junto com a comunidade e contribuindo de forma educativa com qualquer tema, sempre prezando pelo respeito e pelo compromisso com quem nós somos e o que o movimento representa.

Sabendo do poder da “transformação periférica”, do potencial educativo e da importância do graffiti para mim e principalmente meus colegas artistas que tiram o seu sustento diário dessa profissão, eu só consigo pensar em retribuir cada vez mais por esse acolhimento, fomentando o graffiti, a cultura hip-hop e a voz das minorias para que um dia a gente possa ter cada vez mais protagonismo, ultrapassando barreiras geográficas, sociais e ideológicas sem perder o bom humor nessa correria do dia a dia.