Há meses atrás, Nátaly Neri publicou um vídeo intitulado “Slow Blogging — a internet na velocidade da vida” em seu canal no YouTube. O vídeo, quase em formato de manifesto, pedia para aqueles que a acompanham compreensão em sua decisão: a partir de então, passaria a produzir conteúdo em um ritmo mais lento. O motivo? Nátaly havia decidido que produziria na velocidade da vida, e não na velocidade dos algoritmos. A escolha que poderia soar como negligência junto aos seus públicos, reflete, na verdade, uma nova forma de encarar o trabalho digital.
Ainda nessa semana, o Instagram anunciou que iniciará uma mudança em sua plataforma: as postagens no feed não terão mais, visível para o público, o número de curtidas nas publicações. O dono do perfil continua analisando seus dados por meio dos analytics, mas o usuário não os verá.
Tanto o vídeo de Nátaly quanto ao anúncio do Instagram revelam uma mudança importante para a comunicação digital.
Antes, vamos voltar alguns passos na história da blogosfera brasileira. De acordo com pesquisas sobre os momentos dos blogs no Brasil, é possível afirmar que vivemos ondas diferentes. Na blogosfera de moda, por exemplo, a primeira onda dos blogs de moda caracterizou-se por uma motivação para a blogagem muito diferente da segunda onda, por exemplo. Na primeira, o desejo de abrir um blog se justificava por motivações totalmente intrínsecas: vontade de compartilhar um conhecimento sobre moda ou beleza, desejo de dividir novidades sobre o mercado. E mais, a medida do sucesso dos blogs era, de fato, o conteúdo. Quão expert naquele tema era a blogueira que escrevia? O que era possível descobrir de novo navegando por aquele site? Muitos comentários em um post? Que bom! Muita gente para conversar. Blogagem guiada por conteúdo e não por dados.
Mas chegamos na segunda onda dos blogs. Fora daqui as ondas foram identificadas pela pesquisadora Rosie Findlay, em minha própria pesquisa de doutorado, trabalhei com a teoria de Findlay para investigar a blogosfera de moda brasileira. A principal característica dos blogs na segunda onda? A motivação! Se antes a razão para blogar era interna, a segunda onda mostra a possibilidade de blogar a partir de motivações extrínsecas. Aquele espaço genuíno e cheio de legitimidade conferida pelos leitores é um lugar certeiro para anúncios e parcerias comerciais. É a corrida pelo ouro!
Coincidentemente, ou não, as redes sociais digitais também passaram a ser um lugar em que os blogs podiam produzir ainda mais conteúdo. Assim, as antigas blogueiras que eram detentoras de seu próprio espaço, passaram a ocupar espaços emprestados de grandes corporações (como o Facebook, dono do Instagram). No desejo de estar ao lado de seus públicos, ninguém parou para pensar que usar uma rede que não é sua e sobre a qual você não tem influência e nem poder de decisão faria, mais tarde, com que a produção de conteúdo fosse também regida por essas redes.
E, assim, avançamos para 2019. Cada vez mais são as redes que definem o ritmo de produção de conteúdo dos influenciadores digitais e marcas. E, mais do que isso, o sucesso ou fracasso passa a ser metrificado: trabalho guiado por dados. Não é mais o conteúdo o parâmetro de sucesso, o KPI de uma ação. São os números disponíveis para anunciantes, seguidores e influencers que contam.
A mudança prevista pelo Instagram não elimina as curtidas da rede, mas a deixa oculta para quem navega no feed e disponível apenas para o dono do perfil. Dessa forma, o público não vai se relacionar mais com esse dado e ações mais importantes do que apenas curtir podem passar a ser consideradas.
Mas o que o slow blogging tem a ver com isso? O movimento surge como um manifesto para que os influenciadores não caiam nas armadilhas dos algoritmos e possam produzir conteúdo em seu próprio ritmo. Em outras palavras: produzir em seu próprio ritmo significa voltar às origens, voltar àquele momento em que a blogagem tinha como motivação e parâmetro o simples desejo de compartilhar e falar sobre um assunto. Em que sucesso era conteúdo e troca. Ao visitar um blog, mais do que saber quantos visitantes únicos aquele site recebia por dia, a intenção era estabelecer um diálogo e vibrar com o alto número de comentários — não para calcular a taxa de engajamento —, mas para conversar.
Um dos clamores do slow blogging, mencionado por Nátaly, se refere ao algoritmo das redes sociais. Entendidos como grandes vilões, os algoritmos são responsáveis, entra tantas coisas, por administrar a quantidade de conteúdo publicado nas redes sociais. A necessidade de postar com frequência absurdamente alta — caso contrário, o algoritmo deixa de exibir aos seguidores aquilo que foi publicado — e as mudanças repentinas nos algoritmos das redes sociais têm sido reclamações de diversos influenciadores.
O desejo por uma internet mais “lenta” tem sido gritado por diversos influenciadores e pesquisadores da área. O respeitado pesquisador do MIT, Jaron Lanier, acaba de publicar o livro “10 razões para abandonar as redes sociais”, ao mesmo tempo, o #detoxdigital já é hashtag conhecida de muitos frequentadores assíduos das redes. Tomar de volta as rédeas da sua própria produção é um desejo desse período da “blogosfera”. Será que chegamos na terceira onda digital?
*Conteúdo retirado originalmente do Meio&Mensagem.